Entenda, de forma técnica e prática, como estimar o custo de capital (WACC) no Brasil em 2025 — e por que pequenas variações nessa taxa podem mudar drasticamente o valuation. Guia com CAPM ajustado a risco-país, custo da dívida, estrutura‐alvo e erros a evitar.
Introdução
Se você modela valuation no Brasil, sabe: o custo de capital é a variável mais sensível do DCF. Em 2025, com discussões sobre trajetória de juros, prêmio de risco e dinâmica cambial, a pergunta certa não é “qual é o WACC do mercado?”, mas como construir um WACC consistente com o seu negócio, moeda e cenário.
Neste artigo, desdobro — de forma objetiva — como estimar o WACC, que ajustes fazem sentido no contexto brasileiro e como cada ponto percentual muda o valor da sua empresa.
Conceitos-chave (sem mistério)
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WACC (custo médio ponderado de capital):
onde KeK_e é o custo do capital próprio e KdK_d o custo da dívida pós-impostos.
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Moeda e inflação: se o fluxo de caixa está em R$ nominais, o WACC deve ser em R$ nominais; se o fluxo está em US$, o WACC deve estar em US$. Coerência é inegociável.
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Terminais e sensibilidade: no DCF, o valor terminal responde exageradamente ao WACC. Um erro de 1–2 p.p. pode alterar dezenas de pontos percentuais no valor final.
Como estimar o custo do capital próprio (Ke) no Brasil
O ponto de partida é o CAPM ajustado:
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Taxa livre de risco (Rf).
Use um proxy coerente com a moeda do fluxo:
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Para R$ nominais: títulos soberanos em reais de prazo longo como referência da estrutura a termo (ou CDI/Selic convertidos à base anual para modelos simplificados).
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Para US$: Treasuries de longo prazo.
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Beta setorial (β) e desalavancagem.
Comece com um beta desalavancado (unlevered) de comparáveis:
Depois, re-alavanque ao alvo da sua empresa:
Atenção: empresas intensivas em ativos regulados tendem a betas mais baixos; negócios cíclicos/commodities, mais altos.
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Prêmio de risco de mercado (ERPglobal).
Use um ERP base (global) e não “duplique” risco-país se você já adicionará CRP (country risk premium) separadamente. -
Risco-país (CRP).
O CRP repercute risco soberano (default/câmbio). Inclua quando o fluxo estiver em R$ ou quando a receita/custos estiverem expostos a risco Brasil sem hedge. Se fizer valuation em US$ de um negócio com receitas em US$ e custo em US$, o CRP pode ser menor ou nulo (coerência econômica > receita de fórmula). -
Prêmios específicos (quando justificáveis):
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Tamanho/iliquidez: PMEs com baixa governança tendem a exigir prêmio adicional;
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Concentração de clientes e risco regulatório: documente a razão e evite “empilhar” prêmios sem base.
Como estimar o custo da dívida (Kd)
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Custo bruto: spread de crédito (rating implícito/observável) + base de juros na moeda do passivo (CDI/Selic para R$, US Treasuries + spread para US$).
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Efeito fiscal: use Kd·(1–T). Lembre: o benefício fiscal depende de dedutibilidade efetiva e capacidade de geração de lucro tributável.
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Estrutura e hedge: dívida em US$ sem hedge para negócio com receita em R$ aumenta o risco — isso aparece no spread ou nos prêmios do Ke.
Estrutura de capital: a importância do “alvo”
O WACC usa pesos a valor de mercado (E e D) e deve refletir a estrutura de capital de longo prazo (target), não a fotografia de hoje.
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Em setores de infraestrutura/regulados, alavancagem alvo tende a ser mais alta;
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Em tecnologia/serviços, mais baixa;
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Em PMEs, a restrição de crédito eleva spreads e reduz o peso ótimo da dívida.
Impacto direto no valuation: um exemplo numérico simples
Considere um FCFF do ano 1 = R$ 20 milhões, crescimento perpétuo g = 3%.
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Cenário A (WACC = 16%)
- Cenário B (WACC = 13%)
Apenas 3 p.p. a menos no WACC elevam o valor terminal em ~30% (de 153,85 para 200). Em modelos completos, essa diferença muda o EV de forma material — e é por isso que o WACC precisa ser defendido tecnicamente.
Real × nominal, BRL × USD: coerência que evita distorções
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Fluxos nominais em R$ ⇒ WACC nominal em R$ (inclui inflação implícita brasileira).
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Fluxos reais ⇒ WACC real, removendo inflação dos dois lados.
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Fluxos em US$ ⇒ WACC em US$ e g consistente com inflação/ganhos reais em US$.
Misturar bases (ex.: fluxo em R$ com WACC em US$ + CRP) cria dupla contagem de risco ou superavaliação de crescimento.
Boas práticas (e armadilhas) ao modelar em 2025
Boas práticas
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Documente a fonte de cada insumo (Rf, ERP, β, CRP, spreads);
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Use β de comparáveis setoriais e faça o unlever/relever;
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Trate ITR/CSLL corretamente no Kd (benefício fiscal realista);
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Teste sensibilidades (WACC ± 1–2 p.p.; g entre 0–3%);
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Faça cenários: base, otimista e conservador (e, se possível, simulações tipo Monte Carlo para drivers críticos).
Armadilhas comuns
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Somar ERP Brasil ao ERP global e CRP (tripla contagem);
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Usar estrutura de capital contábil em vez de a valor de mercado;
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Misturar moeda/inflação nos fluxos e no WACC;
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Aplicar “prêmio de PME” genérico sem evidência;
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Ignorar risco de refinanciamento em dívidas de curto prazo.
Passo a passo para revisar o WACC da sua empresa
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Defina a moeda e a base (nominal/real) do DCF.
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Estime Rf coerente com a moeda.
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Calcule βU com comparáveis; re-alavanque ao alvo.
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Escolha ERPglobal e avalie CRP de forma consistente.
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Modele Kd (spreads + base de juros) e aplique (1–T).
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Defina a estrutura alvo (D/E) a valor de mercado.
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Monte sensibilidades de WACC e g (e discuta as premissas, não só o número).
Conclusão
Em 2025, discutir valuation no Brasil é discutir custo de capital com rigor. O WACC não é um “número de prateleira”: ele nasce de escolhas técnicas — moeda, inflação, risco-país, beta, spreads, estrutura-alvo — que precisam ser coerentes entre si. Faça isso direito e você reduz volatilidade de valor, melhora a qualidade das decisões e negocia com mais convicção diante de investidores, bancos e potenciais compradores.